Ele vigia seus passos, mexe com a sua cabeça, transforma você em cobaia. Conheça as verdades que a maior rede social da história não quer que você descubra
Por Alexandre de Santi e Bruno Garattoni
O Facebook é, de longe, a maior rede da história da humanidade. Nunca existiu, antes, um lugar onde 1,4 bilhão de pessoas se reunissem – e 936 milhões entrassem todo santo dia (só no Brasil, 59 milhões). Metade de todas as pessoas com acesso à internet, no mundo, entra no Facebook pelo menos uma vez por mês. Ele tem mais adeptos do que a maior das religiões (a católica, com 1,2 bilhão de fiéis), e mais usuários do que a internet inteira tinha dez anos atrás. Em suma: é o meio de comunicação mais poderoso do nosso tempo, e tem mais alcance do que qualquer coisa que já tenha existido.
A maior parte das pessoas o adora, não consegue conceber a vida sem ele. Também pudera: o Facebook é ótimo. Nos aproxima dos nossos amigos, ajuda a conhecer gente nova e acompanhar o que está acontecendo nos nossos grupos sociais. Mas essa história também tem um lado ruim. Novos estudos estão mostrando que o uso frequente do Facebook produz alterações físicas no cérebro. Quando estamos nele, ficamos mais impulsivos, mais narcisistas, mais desatentos e menos preocupados com os sentimentos dos outros. E, de quebra, mais infelizes.
No ano passado, pesquisadores das universidades de Michigan e de Leuven (Bélgica) recrutaram 82 usuários do Facebook. Durante duas semanas, eles enviaram perguntas via SMS, cinco vezes por dia, para os voluntários. As perguntas eram ”como você está se sentindo agora?”, ”como você avalia a sua vida?” e ”quanto tempo você ficou no Facebook hoje?”. O estudo mostrou uma relação direta: quanto mais tempo a pessoa passava na rede social, mais infeliz ficava. Os cientistas não sabem explicar o porquê, mas uma de suas hipóteses é a chamada inveja subliminar, que surge sem que a gente perceba conscientemente.
Já deve ter acontecido com você. Sabe quando você está no trabalho, e dois ou três amigos postam fotos de viagem? Você tem a sensação de que todo mundo está de férias, ou que seus amigos viajam muito mais do que você. E fica se sentindo um fracassado. ”Como as pessoas tendem a mostrar só as coisas boas no Facebook, achamos que aquilo reflete a totalidade da vida delas”, diz o psiquiatra Daniel Spritzer, mestre pela UFRGS e coordenador do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas. ”A pessoa não vê o quanto aquele amigo trabalhou para conseguir tirar as férias”, diz Spritzer.
E a vida em rede pode ter um efeito psicológico ainda mais assustador. Durante 30 anos, pesquisadores da Universidade de Michigan aplicaram testes de personalidade a 14 mil universitários. Cada voluntário tinha de dizer se concordava ou discordava de afirmações como: ”eu tento entender como meus amigos se sentem” e ”eu geralmente me preocupo com pessoas menos favorecidas do que eu”. São perguntas criadas para medir o grau de empatia de uma pessoa – o quanto ela se importa com as outras.
Em 2010, os cientistas publicaram os resultados. Os jovens da geração atual, que cresceram usando a internet, têm 40% menos empatia que os jovens de três décadas atrás. E essa tendência fica mais intensa a partir dos anos 2000, período que coincide com a ascensão das redes sociais. A explicação disso, segundo o estudo, é que na vida online fica fácil ignorar as pessoas quando não queremos ouvir seus problemas ou críticas – e, com o tempo, esse comportamento indiferente acaba sendo adotado também na vida offline.
Num meio competitivo, onde precisamos mostrar como estamos felizes o tempo todo, há pouco incentivo para diminuir o ritmo e prestar atenção em alguém que precisa de ajuda. Há muito espaço, por outro lado, para o egocentrismo. Em 2012, um estudo da Universidade de Illinois com 292 voluntários concluiu que, quanto mais amigos no Facebook uma pessoa tem, e maior a frequência com que ela posta, mais narcisista tende a ser – e maior a chance de fazer comentários agressivos.
Esse último resultado é bem surpreendente, porque é contraintuitivo. Ora, uma pessoa que tem muitos amigos supostamente os conquistou adotando comportamentos positivos, como modéstia e empatia. O estudo mostra que, no Facebook, tende a ser o contrário.
Junte a indiferença com o narcisismo e a competição e você chegará ao terceiro elemento negativo das redes sociais: o ódio. Em tese, as redes sociais deveriam nos aproximar uns dos outros. Afinal, usamos nossos nomes reais, postamos fotos verdadeiras e sabemos se uma pessoa tem amigos em comum conosco. Como explicar, então, que pessoas que jamais brigariam na vida real – sobre futebol, sobre política, sobre qualquer assunto – fiquem se xingando no Face? E que isso seja tão comum?
O Facebook manipula você
Ele define a sequência de informações que você vê na sua timeline usando um critério secreto, que não revela a ninguém. E chegou a fazer uma experiência para tentar alterar o humor de centenas de milhares de pessoas sem que elas soubessem. Deu certo.
Não existe uma resposta direta. Mas existem algumas pistas muito boas. Em 2013, pesquisadores da Universidade Benihang, na China, analisaram 70 milhões de posts do Weibo, rede social chinesa que mistura características do Twitter e do Facebook. Usando um software que lia palavras-chave, eles classificaram cada post como alegre, triste ou irritado – e viram como ele se propagava pela rede. As mensagens irritadas eram as que se espalhavam mais rápido, e chegavam mais longe: eram replicadas por pessoas a até três níveis de separação do autor (o amigo do amigo do amigo repetia o post).
”Quando a pessoa está online, há uma desinibição. Ela fica mais solta”, afirma o psicoterapeuta Cristiano Nabuco, do grupo de pesquisas em dependência tecnológica da USP. Isso acontece, segundo ele, por causa da distância física. Como não estão frente a frente, as pessoas se sentem mais à vontade para trocar acusações e insultos. E no Facebook basta um clique para curtir ou replicar o que outra pessoa disse – inclusive insultos. ”Isso potencializa a agressão, porque eu posso fazer uma ofensa e dez pessoas vão lá e me ajudam na ofensa, vira um grupo ofendendo uma pessoa”, explica Ana Luiza Mano, do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da PUC-SP.
E isso pode ter consequências profundas. Segundo o Mapa da Violência 2014, um estudo elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, o número de suicídios entre adolescentes brasileiros cresceu 36,7% entre 2000 e 2012 (o dobro do aumento nas demais faixas etárias). O estudo não acusa as redes sociais. Mas o período em que os suicídios crescem coincide com a ascensão delas.
Se você se sentir mal por causa do Facebook, basta se desconectar ou colocar o celular no bolso, certo? Não é tão fácil assim. Porque as redes sociais mexem com o núcleo accumbens, uma região que fica no meio do cérebro e regula o chamado ”sistema de recompensa”.
Quando fazemos alguma coisa agradável – comemos algo gostoso e calórico ou fazemos sexo, por exemplo -, esse sistema libera dopamina, um neurotransmissor que nos dá prazer. É a forma de o cérebro nos dizer que aquilo (comer bem ou se reproduzir) é vital para nossa sobrevivência, e, por isso, devemos repetir sempre que possível. Trata-se de um mecanismo ancestral, que se desenvolveu muito antes da internet.
Em 2013, um estudo da Universidade Livre de Berlim descobriu que ganhar likes no Face ativa esse mesmo sistema. Cada ”curtida” que recebemos provoca uma liberação de dopamina, como as que temos ao comer e fazer sexo. ”A sensibilidade do núcleo accumbens leva a mudanças de comportamento no mundo real”, explica, no estudo, o neurocientista Dar Meshi. Por isso o Facebook é tão irresistível.
Só que abusar dele é perigoso. Pode literalmente deformar o cérebro. Em 2012, um grupo de cientistas chineses analisou 17 adolescentes viciados em internet – que ficavam conectados pelo menos 5h30 por dia e tinham problemas na vida social por causa disso. As imagens dos exames revelaram anormalidades no córtex orbitofrontal, região que nos ajuda a controlar impulsos, e no corpo caloso, que conecta os dois hemisférios do cérebro. Segundo o estudo, os danos eram similares aos encontrados em viciados em álcool e cocaína.
As redes sociais estão mexendo conosco. Inclusive de propósito – como quando o Facebook realizou uma experiência secreta e polêmica, em que as cobaias foram os próprios usuários.
O Facebook deixa você triste
Estudos de duas universidades americanas comprovaram que, quanto mais tempo uma pessoa passa no Face, mais infeliz ela fica. E quanto mais amigos online ela tem, mais narcisista e agressiva tende a ser.
Cobaias involuntárias
Em junho de 2014, surgiu um artigo científico de arrepiar. Assinado por um cientista da Universidade de Cornell e por pesquisadores do Facebook, ele contava como o site manipulou a timeline de 689.003 pessoas, ao longo de uma semana, sem que elas soubessem. O objetivo era saber se, mexendo no conteúdo da timeline, o Facebook conseguiria alterar o humor dos usuários. A resposta foi sim. Quando o Facebook omitia posts alegres, as pessoas ficavam mais tristes – usavam mais palavras negativas em suas mensagens. E vice-versa.
A conclusão do estudo é clara: “As mensagens online influenciam nossas emoções e comportamento”. Assim que ele foi publicado, o Facebook recebeu uma saraivada de críticas. Algumas diziam que o estudo violou a ética científica (porque não se pode transformar alguém em cobaia sem o consentimento da pessoa), outras que a experiência foi simplesmente cruel. O Facebook alegou que, quando criaram seus perfis no site e aceitaram os “Termos de Uso”, as pessoas haviam automaticamente consentido em participar do estudo. Mas pediu desculpas pela experiência.
O Facebook continua manipulando o que você vê na sua timeline. Isso é definido por um algoritmo que se chamava EdgeRank, foi criado pelo próprio Face e originalmente seguia três critérios: afinidade (o quanto você interage com o autor daquele post), engajamento (número de likes, comentários e compartilhamentos que o post teve) e tempo (notícia velha não tem vez). Hoje, o algoritmo é muito mais complexo – segundo o Facebook, calcula mais de 100 mil variáveis, ajustadas de acordo com cada usuário.
A empresa não diz quais são, inclusive por um segredo comercial – do contrário, o algoritmo poderia ser copiado por outras redes sociais. Mas há quem diga que o sigilo também é uma maneira de adulterar o conteúdo distribuído aos usuários para lucrar em cima disso (leia na reportagem a seguir). ”O Facebook está na fronteira do eticamente questionável. Às vezes ele é ético, às vezes é antiético. Ele te dá benefícios, mas cobra por isso”, diz Raquel Recuero, professora de comunicação da Universidade Católica de Pelotas e pesquisadora de redes sociais.
É comum ver usuários do Facebook desconfiados com as políticas da empresa, ou temerosos de que ela tenha informações demais. Se você é um deles, há uma boa maneira de buscar respostas: solicitar o download de todas as informações que o Facebook coletou sobre você. Eu fiz isso, é fácil.
Recebi um pacote de arquivos que totalizavam 28 megabytes. Todas as fotos e vídeos que eu publiquei na rede estavam lá.Todos os meus chats, todas as cutucadas que eu recebi (uma única, em 5 de setembro de 2014, de uma pessoa que eu não conheço – fiquei chateado), todos os eventos para os quais fui convidado, incluindo os que eu ignorei. Se eu tivesse um post privado (não publicado), estaria lá também. Posso ver todas as atividades do meu mural e até coisas que fiz em outros serviços. Posso ver as músicas que ouvi no Rdio, em que dia, hora e ordem, pois minha conta nesse serviço de streaming está conectada ao Facebook.
O prontuário tem muita coisa. Mas não tem uma coisa extremamente importante: a lista com os sites que eu visitei. Porque, sim, o Facebook sabe por onde eu andei na internet. Sabe quando você entra num site, qualquer um, e ele tem um botãozinho que permite dar like em alguma coisa? Esse botão é uma conveniência para você, e um mecanismo de monitoramento para o Facebook: quando você entra naquela página, ele fica sabendo (mesmo se você não apertar o botão de like).
Esse sistema serve para que o Facebook mostre anúncios relacionados às coisas que você pensa em comprar. Se você entra numa loja virtual e procura uma geladeira, por exemplo, essa informação é passada para o Facebook – que passa a exibir anúncios de geladeiras. ”O Facebook poderia tomar ações mais fortes para permitir que as pessoas tivessem mais privacidade. Mas isso vai contra o modelo de negócio dele”, diz Recuero. O mecanismo está presente em grande parte da internet, inclusive em sites que nada têm a ver com comércio eletrônico, e permite que o Face grave os seus passos pela web, silenciosa e ininterruptamente.
O Facebook sabe demais
Conforme você usa o site, e coloca informações nele, o Facebook vai montando um prontuário digital com grande quantidade de dados a seu respeito. Robôs analisam tudo para tentar descobrir ainda mais – e também vigiam a sua navegação por boa parte da internet.
Ele não é o único: o Google também faz algo do tipo. Um monitoramento que parece saído do clássico 1984, o romance distópico de George Orwell.
O sistema funciona graças aos cookies, pequenos arquivos de texto que são colocados no seu computador ou celular e o identificam enquanto você navega na internet. Na Europa, a lei determina que o usuário tenha de aprovar cada um dos cookies depositados no seu computador. Mas um relatório da Comissão de Privacidade da Bélgica, divulgado em março, concluiu que o Facebook está violando a lei, plantando cookies nos computadores das pessoas sem a permissão delas. Segundo o relatório, ele usa cookies para monitorar usuários que não estão logados na sua rede – e até gente que jamais teve uma conta de Facebook. A empresa negou a prática e disse que o relatório tem erros.
O mergulho nos meus dados pessoais ficou entre o fascinante e o perturbador. O mais esquisito é que concordei em dar todo esse acesso ao Facebook. “Ao clicar em Abrir uma conta, você concorda com nossos Termos, incluindo nosso Uso de Cookies”, diz o texto. Quase ninguém o lê: apenas 7% dos usuários, segundo uma pesquisa de 2011. No caso do Facebook, o documento oficial tem mais de 23 mil caracteres – mais do que esta reportagem -, e passa de 80 mil somando os subitens.
Ou seja, é dificílimo de ler. Isso não é exclusividade do Facebook. Os contratos que você ”assina” ao se inscrever nos serviços online sempre são longos e tortuosos. Talvez porque não existam para serem lidos – mas para que as empresas tenham poderes enormes sobre você. E porque, mesmo sabendo disso, e de tudo o que o Facebook faz, você dificilmente vai parar de usá-lo. Eu não vou.
A SUPER entrou em contato 11 vezes com o Facebook, entre os dias 16 e 30 de abril, solicitando que concedesse uma entrevista ou respondesse por escrito às questões discutidas nesta reportagem. A empresa preferiu não se manifestar.
Link original da reportagem:
SUPERINTERESSANTE
https://super.abril.com.br/tecnologia/o-lado-negro-do-facebook/
Nenhum comentário:
Postar um comentário